“É IMPORTANTE PARTILHAR A VISÃO ESTRATÉGICA DA EMPRESA A LONGO PRAZO.”
Em conversa com a Revista M e com José Medeiros, Administrador da MCG, António Melo de Carvalho fala-nos dos tempos que passou na empresa e das funções que desempenhava.
António Melo de Carvalho foi o Diretor Administrativo e Financeiro da MCG durante 13 anos. Entrou na empresa em 1991 após uma longa carreira militar em que alcançou a patente de Coronel no Exército Português, um dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas.
E foi precisamente a sua carreira militar que colocou Melo de Carvalho, hoje com 83 anos, no rumo da MCG, já que este antigo Colaborador prestou serviço militar na Guiné-Bissau, em 1970, com José Medeiros. É também neste sentido que este Administrador da empresa (na altura Diretor Geral) se junta a uma conversa que nos transporta para atividade da MCG na década de 1990.
O seu percurso profissional vinha das forças armadas… como é que a MCG aparece na sua vida?
Melo de Carvalho: Em janeiro de 1991, a minha entrada na MCG deve-se a um encontro com o meu amigo José Medeiros. Em conversa, ela pergunta: “Não quer ir à MCG ver como é a empresa?”. Lá fui eu dias depois ver a MCG e fiquei muito surpreendido, claro. Nunca pensei que a empresa tivesse já naquela altura a dimensão que tinha. No dia seguinte decidi telefonar-lhe para perceber até que ponto eu não podia ser útil na MCG…
Isto porque alguns anos antes, no meu percurso militar, acabei por conseguir fazer um curso de economia, quando tinha 35 anos. Foi um plano alternativo que tracei, pois a minha promoção a coronel era recente e o caminho até passar a brigadeiro ainda ia demorar e podia até nem acontecer.
De referir que fui colega de José Medeiros no seminário, muitos anos antes, e que depois nos voltámos a encontrar já no exército, em Chaves, pouco tempo antes de sermos mobilizados para combatermos na Guiné-Bissau na Guerra do Ultramar. Eu era o comandante do pelotão, mas já naquela altura se notava bem que o José Medeiros era um líder nato. Um rapaz já com grande olho para o negócio!
José Medeiros: Eu precisava era de um “braço direito” de confiança. Eu depositava toda a minha confiança no Melo de Carvalho, até porque até a minha vida já lhe tinha confiado na guerra. Pelo que assumiu a direção do departamento financeiro da empresa e chegou mesmo a acumular essas funções com as de diretor de recursos humanos.
Melo de Carvalho: Na guerra fazem-se as amizades mais genuínas e verdadeiras… E foi assim que entrei para Diretor Administrativo e Financeiro da MCG. Dei também algum apoio na parte comercial em determinadas situações, mas as minhas funções eram essas.

“O fundador da MCG era muito inteligente e esperto, teve a lucidez de colocar José Medeiros a gerir a empresa.”
E o que mais o marcou durante o seu tempo na MCG?
Melo de Carvalho: Um dos pontos mais importantes: Manuel Conceição Graça teve muita sorte em poder contar aqui com o José Medeiros na condução da empresa. Se este homem não tivesse aparecido na vida da MCG, o mais provável é que a organização tivesse sido vendida. O fundador da MCG era muito inteligente e esperto, teve a lucidez de colocar José Medeiros a gerir a empresa. Ele tinha uma visão estratégica e projetou a empresa pela Europa fora e pelo mundo fora, pois sabia que a MCG tinha de se internacionalizar. Mais tarde, os seus filhos continuaram e continuam a fazer um excelente trabalho.
José Medeiros: O Melo de Carvalho pegava num caderno, seguia pelas fábricas fora e ia tomando notas. No final fazia um relatório e eu em muitos aspetos atuava consoante o que ele registava e indicava. Isto foi muito bom para a MCG porque era precisamente este tipo de apoio que eu precisava na altura. Ele nunca saía da empresa sem fazer isto ao final do dia, todos os dias sem exceção.

“Na MCG tinha de fazer um pouco de tudo. Por isso muitos foram os livros que comprei e que li para aprender tudo aquilo que eu precisava de de saber e fazer.”
Mas o Melo de Carvalho era um homem das contas, da área financeira, e não da produção de peças para automóveis…
Melo de Carvalho: É verdade. Mas também é certo que eu desde muito pequeno que era interessado pela funcionalidade das coisas. Em criança era eu que fazia os meus próprios brinquedos, era muito dado a “engenhocas”… O que aconteceu é que acabei por gostar da atividade metalomecânica. Acho que eu já tinha dentro de mim o gosto pela área.
José Medeiros: Mas o que eu precisava do Melo de Carvalho é que ele me ajudasse a dar um “salto” na contabilidade e no departamento financeiro da empresa.
Melo de Carvalho: Eu concluí um curso de economia e não de gestão. E na MCG tinha de fazer um pouco de tudo. Por isso muitos foram os livros que comprei e que li para aprender tudo aquilo que eu precisava de saber e fazer. Passei os fins de semana a ler e incentivava toda a gente a fazer o mesmo… Foi bastante complicado organizar todo o departamento financeiro, apesar de haver um grande mérito do José Medeiros em todo o processo de transição da MCG nesta área.
Qual acha que foi o maior desafio que encontrou na MCG?
Melo de Carvalho: Sem dúvida que o maior dos desafios nas minhas funções foi conseguir o controlo das existências, o controlo do armazém. O saber em tempo real qual o valor que existia em armazém, algo que nem foi conseguido no meu tempo, foi o Pedro (Sousa) que acabou por dominar esta parte, já depois de eu sair. Devo dizer que o Pedro Sousa [o atual Diretor Financeiro da MCG] é uma pessoa excecional, acima da média.

“Sinto uma certa vaidade quando falo dos 13 anos em que fiz parte da MCG.”
E quais os projetos que mais “alavancavam” a empresa na altura?
Melo de Carvalho: Eram os projetos que tínhamos com o cliente AutoEuropa. E depois a produção para a Bosch e para a Blaukpunt. Um pouco antes de eu chegar, sei que os projetos principais eram produções de componentes para a Opel, para a Ford e para a UMM.
José Medeiros: Infelizmente, a atividade da MCG ia sendo interrompida em parte devido ao facto de se perderem projetos de produção de certos negócios. A gestão ia sendo feita ao longo do tempo, mas sempre cm a preocupação de conseguirmos manter os postos de trabalho das pessoas. Como acontece hoje, no fundo. A parte humana era e é de importância crucial.
Melo de Carvalho: É verdade. Lembro-me de andar dentro das fábricas e de ver os operadores das prensas maiores, aquelas que nunca deviam estar paradas, a esconderem-se quando nós passávamos; sentiam-se constrangidos por estarem nos seus postos, mas sem trabalho para fazerem… Foi preciso que os gestores da MCG tivessem muita fibra, muita garra e confiança neles próprios.
E como testemunhou ao longo do tempo a evolução da MCG?
Melo de Carvalho: Sinto uma certa vaidade quando falo dos 13 anos em que fiz parte da MCG. São lufadas de ar fresco que entram dentro da minha cabeça quando pego na vossa revista, por exemplo, e vejo o que a empresa era e o que a empresa é hoje. Aquilo que ela é e aquilo que a empresa virá a ser com tantos projetos e tanta alta tecnologia.
Quem dera que em Portugal existissem muitas mais empresas como a MCG…
Sinto-me vaidoso por ter dado o meu modesto contributo ao desenvolvimento da MCG. Eu não era gestor, era economista, tive de mudar os meus quadros mentais… O tempo que estive nesta empresa contribuiu muito para a minha realização pessoal. E a confiança que ele tinha em mim ajudou.
José Medeiros: A confiança era mútua. Eu precisava efetivamente do apoio dele, e eu sabia que o que o Melo de Carvalho me dizia era certo, era “sagrado”. Trabalhar com pessoas assim é fácil, muda tudo. Mas eu nunca me atreveria a pedir ao meu comandante antigo que viesse trabalhar para mim…. Fiz isso, pedi-lhe para vir para a MCG, porque antes percebi que ele estava disposto a isso. Somente quando ele falou nessa possibilidade é que eu tive a coragem de o fazer. Respeito mútuo!
Melo de Carvalho: Pelo que eu conhecia do José Medeiros dos tempos da guerra, eu acreditava piamente nele. Eu vi bem todo o trabalho que este homem fez naquele grupo de combate, todo o trabalho que ele fez até em prol da formação escolar daquela gente… Talvez 40% dos combatentes não devia ter a escolaridade básica. Ele trabalhou muito para que todos eles aprendessem a ler e a escrever. Isto entre muitas outras coisas.

“Já nessa altura – e muito graças ao empenho aqui do meu amigo José Medeiros – as pessoas ‘vestiam a camisola’ da empresa.”
Como se notava na sua altura a relação entre as pessoas na MCG?
Melo de Carvalho: Já nessa altura – e muito graças ao empenho aqui do meu amigo José Medeiros – as pessoas “vestiam a camisola” da empresa. As pessoas sentiam que valia a pena trabalharem porque mais tarde ou mais cedo vinham a ter o proveito do esforço e do trabalho que estavam a fazer. As pessoas acreditavam na empresa.
José Medeiros: Algumas alterações que foram feitas naqueles tempos revelaram grande importância. Criámos um refeitório com refeição gratuita para todos os Colaboradores, passámos a fazer festas de Natal e outros eventos. Há determinadas coisas e momentos a que as pessoas dão valor e sempre nos esforçámos na MCG para ir concedendo esses benefícios.
Além aqui do seu amigo José Medeiros, quem o marcou mais na MCG?
Melo de Carvalho: Nos últimos anos em que estive na MCG, devo dizer que foi o Pedro Sousa [atual diretor financeiro da MCG]. Aprendi muito com ele – quem é que não aprende com ele?! – e lembro-me muito bem das nossas reuniões nos primeiros passos da gestão por objetivos nas diferentes áreas da empresa. Para termos noção dos benefícios que a MCG estava a ter em cada unidade de produção. Gestão por objetivos dentro das diferentes secções… Adicionar racionalidade ao trabalho… Ter o resultado do trabalho visível em tempo oportuno…
Que mensagem envia a quem entra hoje na MCG?
Melo de Carvalho: Eu aconselho o seguinte: a dedicação tem de ser total. Depois, tentar ver sempre longe, mais além. É aí que está o segredo e foi aí que esteve o segredo na fundação da MCG por parte de Manuel da Graça.
Um funcionário da MCG tem de comungar com a visão estratégica da empresa a longo prazo. Não olhar só para o dia a dia, olhar um pouco mais à frente. Identificar-se com os objetivos de longo prazo. E isto é válido para todos, até aqueles que trabalham na produção, numa prensa de estampagem.