Nuno Moreira da Cruz: ‘A sustentabilidade é a única estratégia, não há outra.’

MCG News

Nuno Moreira da Cruz, um dos maiores entendidos em Responsible Business em Portugal, explica-nos as razões que fazem com que a sustentabilidade tem de ser algo perfeitamente intrínseco à gestão de qualquer empresa.

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Nuno Moreira da Cruz tem uma visão muito clara em relação à necessidade absoluta e urgente de, numa empresa, se conduzir aquilo a que se refere como uma “gestão de impacto”, estratégia esta guiada pelas melhores práticas nas áreas ‘Environment, Social e Governance’.

Como conhecedor do universo em que a MCG movimenta e da sua atividade, o Diretor Executivo do Center for Responsible Business & Leadership na universidade Católica-Lisbon mostra agrado por saber que a empresa está a dar a devida importância a estas matérias na sua gestão. Em conversa com a Revista M (a revista da MCG), Nuno Moreira da Cruz mostra-nos como este é já o “único” caminho a seguir…

Revista M: O que se entende hoje pela ação sustentável de uma empresa ou organização?

Nuno Moreira da Cruz: Costumo dizer algo muito claro: não acredito em estratégias de sustentabilidade. A sustentabilidade é “a” estratégia. Não há outra. Ou isto é entendido sob uma perspetiva do tipo all in, como os ingleses dizem, e não como um nice to have em que se anda apenas a brincar às lâmpadas LED, ou então não funciona. Até porque quando falamos num sentido holístico, a sustentabilidade envolve tudo. Uma agenda de sustentabilidade envolve a estratégia, o marketing, as operações, os recursos humanos… Tem de ser tudo feito ao mesmo tempo.

E nunca esquecer que estamos a falar de três sustentabilidades, por assim dizer: sustentabilidade económica, porque sem lucro não há mais nada; sustentabilidade social; e sustentabilidade ambiental. É evidente que sem sustentabilidade económica raramente há preocupações sociais e ambientais. Mas é cada vez mais verdade que sem elas não haverá lucro. O desafio está na capacidade da gestão entender este círculo virtuoso. Este é o desafio que se tem pela frente nesta área.

Até consigo perceber que um executivo de uma grande empresa não se preocupe ainda muito com as questões relacionadas com a preservação do planeta. Entendo também que ele não se preocupe com as pessoas. O que não consigo compreender é que esse gestor não se preocupe com o seu negócio. E para se preocupar com o seu negócio, ele hoje já não tem outro caminho. Ou este click dentro das organizações acontece, ou então nada funcionará.

Nuno Moreira da Cruz: 'A sustentabilidade é a única estratégia, não há outra.' MCG

Revista M: O investimento em sustentabilidade pode efetivamente trazer retorno a uma empresa?

Nuno Moreira da Cruz: Acho que já estamos além disso. Já não basta pensar que sim. A questão neste momento é de que forma podemos fazer isso numa empresa. Como se implementa a sustentabilidade como estratégia? Como se implementa o Propósito dentro das empresas? Tudo está agora relacionado com implementação.

Revista M: Essa preocupação está ainda apenas a surgir nas grandes empresas?

Nuno Moreira da Cruz: Que ninguém caia no erro em Portugal de pensar que esta realidade não afeta já as médias e pequenas empresas. Vejo muito isso por cá e está errado. Isto apesar de serem as grandes empresas que estão a impulsionar grande parte do que já acontece. Podemos ver dois grandes exemplos claros disto mesmo: o Ikea acabou de decidir que qualquer empresa em qualquer parte do mundo que queira distribuir os móveis da marca tem de trabalhar apenas com veículos elétricos. Ou seja, esta gestão também está a afetar pequenas empresas, neste caso uma pequena/média empresa de distribuição de mercadorias.

Outra grande empresa, no norte do país, estava a concorrer a um projeto junto de uma multinacional que garante 28% das suas vendas. O caderno de encargos que lhes chegou fala em quase todos os pontos de sustentabilidade. E sustentabilidade holística: provem que pagam o mesmo a homens e mulheres, que não recorrem a trabalho infantil, que devolvem às comunidades locais tudo o que delas retiram, que os vossos canais de comunicação com os clientes são perfeitamente transparentes… Isto é que é sustentabilidade. Que ninguém pense que vai ficar fora desta realidade. Caso contrário não terá qualquer hipótese no mercado.

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Os vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão expostos pelo edifício da Universidade Católica-Lisbon.

 

Revista M: O que está a acelerar toda esta realidade? Passámos o ponto de não retorno?

Nuno Moreira da Cruz: Simples: a “casa está a arder”. É quando isto acontece que as pessoas percebem finalmente do que estamos a falar. O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que é aquilo a que António Guterres chamou de Código Vermelho para a Humanidade, dá praticamente a ideia de que já passámos o ponto de não retorno, sim. É dramático.

Mas a “casa está a arder” também na esfera social, não só na ambiental. Ao olharmos para o mais recente relatório da Oxfam International e é claramente indicado que o aumento da riqueza das dez mais ricos do mundo daria para retirar da pobreza mais de 100 milhões de pessoas. As desigualdades sociais são e continuarão a ser tremendas. E isto não são somente tensões sociais entre os países ricos e os países pobres: dentro dos países ricos, há também muitos pobres.

Juntando o ambiental e o social, esta sensação de urgência é fortíssima. E as novas gerações não podem ser alheias a esta realidade. Nas nossas gerações, mais antigas, ainda podíamos dizer que não sabíamos que isto está a acontecer. Mesmo que soubéssemos, é normal pensarmos que não nos vai afetar. Mas estas novas gerações sabem que está a acontecer e sabem que vão ser muito afetadas.

Mais: as pessoas com mais talento têm uma claridade enorme sobre estes temas. Das primeiras coisas que os candidatos perguntam às empresas é como é o posicionamento delas em relação a preocupações sociais e ambientais. Se isto não existir, eles vão trabalhar para outro lado.

Revista M: Até que ponto os empresários portugueses estão despertos para as questões de sustentabilidade?

Nuno Moreira da Cruz: Pela minha experiência, acho que que há três anos, por exemplo, havia ainda muitas portas fechadas. Hoje as portas estão abertas ou meio abertas. Não há portas fechadas. Já ninguém está à margem, pois decerto que todos os empresários entendem que todos temos de agir. Há estudo que demonstram claramente que estas questões são independentes de geração, geografia ou até de nível de rendimento. Claro que em sítios distintos do planeta há ritmos diferentes, mas a tendência nestas variáveis é imparável. Hoje, quem não recicla tem vergonha de dizê-lo em público e mente sobre o assunto, por exemplo.

Revista M: A definição dos ODS da ONU está a fazer a diferença?

Nuno Moreira da Cruz: Tudo tem de ser tratado numa perspetiva assente nesses objetivos. Temos de ser capazes de não deixar ninguém para trás. Tem de continuar a existir inovação, mas tudo tem de ser feito num registo em que todos sintamos que está a haver um pulo qualitativo na nossa vida. Ao mesmo tempo que tal acontece, é preciso que a pobreza e a fome estejam a ser erradicadas. Se não sentirmos isso, a inovação e o avanço não terão a luz e o brilho que têm de ser. Através dos ODS, que são a força e a linguagem comum, tem de existir esse sentimento.

Revista M: O que ainda falta aos governos e às empresas para terem toda esta visão?

Nuno Moreira da Cruz: A grande barreira a que de facto não exista mais nada do que responsible business “joga-se” na contabilidade. Aquilo que é a capacidade de incluir nas contas das empresas as externalidades tem de acontecer. É a chamada contabilidade de impacto. Temos de ser capazes de incluir nas contas o custo que estamos a criar ao planeta e o custo que estamos a criar nas dimensões sociais.

Se pagamos melhor a um colaborador do que pagamos ao um concorrente, então isso não pode ser elevado a custo. Este é o grande desafio que a Humanidade tem pela frente. E há muita coisa já a ser feita nesta área, vamos mesmo lá chegar. Assim que conseguirmos ter as contas feitas desta forma, tudo se revolve. Emissões a mais? Pouca poupança de água? Basta ir à contabilidade da empresa e analisar, estará tudo lá.

Estou convencido que aquelas empresas que genuinamente estão a atuar como forces for good – felizmente há muitas, entre elas as grandes multinacionais que são capazes de levar estas questões para a frente – percebem que é urgente e que pensam: independentemente de os outros fazerem ou não fazerem, nós temos mesmo de fazer algo. Estas empresas têm grande consciência disto e começam a medir o impacto.

Mais tarde ou mais cedo vai surgir uma empresa que vai aparecer com esta mensagem, dizendo: o meu resultado é 1.000, mas como inclui nas contas o meu impacto o resultado que aqui está é 900. Este é o próximo passo e o caminho que tem de ser seguido. Nos próximos anos, se um negócio não for responsável não é negócio sequer.

Revista M: Quais são as mais importantes características nos líderes de hoje?

Nuno Moreira da Cruz: As práticas de liderança mais importantes são tão verdade hoje como no tempo de Jesus Cristo, não mudaram. Mas passando todas elas à lente do que estamos aqui a falar, as práticas relacionadas com valores, missão, liderança com o coração, dar espaço às pessoas, confiar… Estes pontos nucleares da liderança vistos à luz da sustentabilidade são mais importantes que nunca.

Entendermos que o ser humano tem de estar no centro da ação é que faz toda a diferença. Percebemos enquanto líderes que quando alguém entra na empresa na deixa à porta todas as suas características. Entra tudo e é isso tudo que temos para gerir. Não temos para gerir uma com a sua profissão, temos sim para gerir um ser humano. Os líderes que tiverem a capacidade de entender isto serão os líderes que fazem a diferença. Haverá cada vez menos espaço para lideranças que não se pautem por estes princípios.


Nuno Moreira da Cruz e o Center for Responsible Business & Leadership 

Nuno Moreira da Cruz é Diretor Executivo do Center for Responsible Business & Leadership na universidade Católica-Lisbon e fundador e CEO da empresa NMC Leaders. Este especialista em Responsible Business licenciou-se em Direito na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, obteve o seu Mestrado em Estudos Europeus na College of Europe em Bruxelas (Bélgica) e um MBA na IE Business School (Madrid). É também Certified Coach (Escuela Europea de Coaching, Madrid) e mentor de Start-Ups.

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